REUNIÃO COM PARTICIPANTES DO SARAU DA GREVE
11 outubro 2018
Participantes:
Djair
Rodrigues de Souza (coordenador de eventos culturais da Biblioteca Central da UFES)
Fábio
Massanti Medina (diretor da Biblioteca Central da UFES)
George Vianna Souza Silva (revisor
de texto da editora da UFES)
Roberta Estefânia
Soares (revisora de texto da editora da UFES)
Rogério
Fraga (produtor cultural da editora da UFES)
O que foi para vocês o sarau da greve?
Roberta: O sarau da greve foi o melhor momento da greve,
porque naquele momento da greve eu estava quase desistindo, desanimei, porque
eu não conseguia participar daqueles debates em que um ficava falando e outros
dois tentando superar a fala do outro. Então, eu saí daqueles outros espaços e
no sarau da greve eu me sentia mais à vontade, de ouvir outras pessoas, de
selecionar textos para falar também, textos que de algum modo tinham a ver com
o momento que a gente estava passando – de reivindicação.
Bartolomeu: Eu também considero o melhor espaço daquela greve
e até participei bastante de atividades
variadas durante a greve mas (no sarau) acho que a gente podia externar
muita coisa que a gente estava sentindo, que estava pensando – e através da
poesia, que é um negócio muito bacana, em que se pôde conhecer muita gente,
conhecer o talento de muita gente, o que é bacana também, pessoas que às vezes
são meio tímidas e meio presas que lá, no sarau, acabavam se soltando, todo
mundo lia um texto, falava um poema, ou cantava uma música. Eu gostei muito, um
tempo muito bom, um tempo mais leve, ao contrário da greve, que é um negócio
meio tenso, muito embate, geralmente se sai das reuniões com a cabeça doendo de
tanto ouvir falação. O sarau, não, um negócio mais leve, em que a gente ia
predisposta a se abrir, a ouvir o outro e ouvir um pouco de arte. Foi muito
bom,
mesmo.
Roberta: Uma coisa interessante da qual me lembro é cada dia
do sarau era um espaço diferente da Universidade, o que era bacana porque era
uma oportunidade da gente poder explorar diversos cantinhos da Universidade.
Fábio: Tudo o que a Roberta e o Bartolomeu falaram faz todo
sentido nesta questão. Primeiro, que é o momento de uma greve, de tensão, de
reivindicação, de levante de uma categoria em prol de um objetivo e as nossas
greves foram motivos de muita luta e de muito embate, embates internos à própria
categoria, do próprio movimento de greve. E esse ineditismo (se é que se pode
usar esta palavra), veio para tornar mais suave aquela luta, preencher os
espaços da programação de greve, de setoriais, atos de ocupação e outras
coisas. Foi uma coisa da cultura, da poesia, de uma coisa mais lúdica, mais
agradável, e pôde proporcionar essa interação entre os colegas. Não era o
simples fato de ficar, concentrado num determinado local, para se fazer
presença, para ser visto, mas também por trazer esta integração de a cada dia
ocupar um espaço diferente, a cada dia a gente estar diferente e ter um texto
já disponível para quem quisesse ler, tinha espaço para produções autorais, e
na hora da pesquisa para escolher o texto a gente colocava um pouco do
sentimento que estava sentindo, para externalizar aquele momento. Foi tudo
muito agradável, e o fato da cultura entrar naquele espaço agregou muito. Pena
que muitos dos organizadores da greve não entenderam dessa forma e criticaram
muito. Mas o que gostei foi a nossa insistência e, mesmo apesar das críticas,
das posições contrárias, nós permanecemos fazendo essas ações ao longo dos 3 ou
4 meses, importantes para preencher nossos espaços de inatividade – imaginem a
gente ficar de braços cruzados, sem fazer nossas atividades em ato de protesto;
como preencher aquele tempo? conversando ou dialogando, mas sem ter ações
propositivas que proporcionassem algum tipo de reflexão. E como a Roberta
disse, pessoas que em um primeiro momento estavam tímidas, estavam com receio
de se expressar, de ir lá e se apresentar, na sequência em que foi ocorrendo
mais saraus, as pessoas foram se motivando a ler um texto, uma poesia, a se
manifestarem.
Rogério: Pra mim, como eu nunca tinha me engajado em um
comando de greve, foi tudo muito legal por tudo isso que vocês falaram –
principalmente quanto à integração, quanto ao conhecimento de colegas da
Universidade por um caminho mais lúdico, mais gostoso, mais leve, mas que
também não deixava de ser contestador, porque os próprios textos, das poesias,
das falas, seguindo uma linha poética, eram também de contestação, reflexão, de
crítica a modelos, e eu acredito que estes saraus permitiram para todos um
outro olhar sobre as possibilidades que uma greve oportuniza. Talvez seja
justamente por este aspecto de distanciamento da vida de um trabalhador, de
outros aspectos da vida de um trabalhador, numa ênfase muito mais de luta, por
direitos, conquista, de enfrentamento a abusos ou supressão de direitos, é que
enfraquece o objetivo final, porque dá para perceber, nos discursos e no
estatuto dos sindicatos, os aspectos ligados à luta são esmagadoramente
dominantes no objetivo maior da existência do indivíduo enquanto ser, enquanto
a cultura, a música, a dança, a literatura, vêm justamente para mostrar o lado
humano do sujeito. E esse sujeito não deixa de ter esses valores, essas
demandas de sensibilidade, só por estar dentro de um movimento de luta;
inclusive se ocorrer [algo como o sarau] numa penitenciária, um lugar de muita
dor, opressão e cerceamento de espaços físicos e mentais, a poesia, a cultura,
podem entrar como um instrumento de humanização. E a greve, principalmente
esta, que foi a greve mais longa pelo que já ouvi das falas (não pesquisei, mas
li isso em um texto divulgado pelo sindicato) e eu tive a sorte por ter ficado
no comando de greve e ter vivenciado numa experiência, no comando, na greve
mais longa, logo ela permitiu n possibilidades e a gente percebeu que
quando o sarau perde força, e não apenas o sarau porque tinham outros projetos
culturais (o filme, o cinema), então estas atividades culturais, algumas
palestras em torno de alguns temas, quando tudo isso começa a ser perdido, a
greve também perde a sua força agregadora, pois justamente pela decorrência do
tempo que ela levou, os conflitos internos afloraram (eu mesmo não sabia a
quantidade de grupos que estão dentro de um sindicato, porque eu era uma pessoa
analfabeta do movimento sindical e fiquei estarrecido de ver essas divisões
ideológicas dentro do próprio grupo que se propõe a lutar por um grupo maior
que são os sindicalizados), o sarau então teve este fator importantíssimo e
geralmente, e isso é uma pena, que ele não é parte constituinte (das
atividades) de um sindicato, que vai ser colocada ou potencializada em um
momento de greve, mas que ele é fruto de pessoas como você, que tomou essa
iniciativa. Isso demonstra mais uma vez como a gente não idolatra pessoas, mas
como pessoas são fundamentais para determinadas mudanças em determinados
contextos. Para mim, o sarau foi muito bacana, principalmente por integrar as
pessoas, permitir um espaço cultural e, ao mesmo tempo, como foi colocado,
algumas pessoas que nem sabiam que tinham esse potencial de, no mínimo, ler um
poema que já está escrito, podem se colocar também porque nunca teve essa
oportunidade. Porque se colocar (posicionar) em um ambiente de greve é
arriscado, pois dependendo do que se fala, se não for do agrado de um grupo que
está no comando, mesmo não sendo a maioria, ele consegue distorcer e até
destruir a intenção, a potencialidade, de uma pessoa – o que num sarau não
acontece.
Djair: Em tese, porque durante a greve, o sarau foi um
tanto boicotado…
Rogério: Eu quis dizer que no sarau, enquanto identidade
própria, daquele grupo que fez o sarau, isso acontece. Enquanto já lá dentro da
tenda…
Djair: Inclusive eu ouvi aos gritos que não devia ter
sarau nem cineminha. E isso depois foi usado várias vezes, pelo próprio grupo
do sindicato, para dizer que houve duas greves: a dos funcionários e a da
biblioteca. E por que? Porque fazíamos o sarau, fazíamos o cine-greve.
Fábio: Mas eu acho que essa comparação ocorre é porque, nos
outros tempos, a biblioteca foi muito forte nessa questão de mobilização em
torno de greve. A partir do momento que isso foi ficando mais enfraquecido, uma
das posições opostas era a de não entrar no movimento porque entrar numa greve
e ficar debaixo de uma tenda, jogando baralho, jogando dominó. Então a gente
tinha de fazer ações mais propositivas e acho que essa proposta de fazer cinema,
fazer sarau, fazer palestra, uma forma diferente para ocupar o espaço sem ficar
naquele estereótipo – os setores debaixo da tenda cruzaram os braços – era [uma
forma de] estar ocupando para conhecer a própria instituição porque, no dia a
dia, a gente não consegue explorar nosso espaço de convivência, isso de certa
forma causou um certo estranhamento para o grupo e, quando a gente estranha uma
coisa que não conhece, a gente tende a criticar, mesmo sem conhecer o
fundamento. Me reportaram que num sarau que teve em Maruípe [outro campus da
Universidade, que concentra as faculdades de ciências biológicas e o hospital
universitário], um dos colegas da greve foi fazer uma declamação mas num tom de
ironia, de menosprezo. E quando ele tomou conta que o grupo do sarau não se
retraiu diante dessa ofensa à poética, ele começou a ver que aquilo que era
realmente uma coisa séria, levada com um grau de responsabilidade, ele depois
retomou a palavra, declamou, cantou uma música, mudou um pouco o seu conceito –
poxa, o sarau é bacana! Poesia é chato mas é bacana interagir! O sarau meio que
adentrou o espaço da greve, apesar de ter sido cerceado em um momento de estar
criando dois movimentos, se compreendeu que, não, era um movimento único com
duas instâncias diferentes.
Djair: Pois a ideia era somar…
Fábio: Exatamente. Era tirar do espaço comum dentro daquele
contexto [de greve] a que se estava acostumado. Por isso [a crítica] de duas
greves, dois movimentos. Não, era apenas uma forma das pessoas que não se
sentiam confortáveis para participar daquele modelo de greve.
Rogério: Mas a gente também tem de entender que as idades, as
experiências, vão consolidando o modo de ver o mundo. Então, devemos tentar um
grau de resiliência desse outro lado do olhar, da incapacidade de muitas vezes
perceber a importância desse movimento que foi o sarau, mas também, da maneira
com que eu vivencio, se a gente tem força para continuar com uma ideia e
acreditar nela, se ela é realmente forte e importante, ela viceja. Mas a
tendência nossa quando encontramos determinados obstáculos, não só na questão
da cultura, nos esportes também, o protagonista, o líder, é a matriz que
continua e fortalece e potencializa, mas ele se deixar abalar por alguns
empecilhos e obstáculos, é natural que perca força. Então acredito nisso: a
gente consegue mudar alguns modelos se a gente persevera, mas se ver que não há
uma ressonância por parte dos demais talvez não seja o melhor momento para
aquilo, talvez o marketing chegou antes da potencialidade do mercado. No nosso
caso, não percebi isso. Percebi que quando ficamos com a atividade, ela sempre
teve público, nunca ficou pouquinha gente (pelo menos, nas que eu vi), todas
tinham pessoas em número suficiente para fazer o evento. E que fique também de
exemplo para que, no futuro, se tiver uma greve, ou várias greves, que alguém
tenha essa possibilidade de puxar esse modelo de atividade porque não tem como
uma atividade dessa não dar certo. Ela poderia ser até uma luta dentro da
própria luta.
Djair: Uma pena a Lara não ter vindo
porque foi ela, em um dos últimos saraus, que chegou para mim e disse: “Agora,
eu vou confessar uma coisa. Eu não gostava de poesia e, depois do sarau, passei
a gostar e hoje eu adoro. Eu vi que poesia não é só aquela coisa melosa de
amor.” Então, outros casos podem ter acontecido. Em Maruípe, um senhor disse:
“Ah, eu vim porque falaram para mim que está tendo um sarau, vai lá. Eu pensei:
sarau deve ser uma coisa chata pra caramba!”, depois se soltou e tudo. Uma
outra pessoa, uma senhora que foi visitar alguém que estava no hospital, e viu
o sarau acontecendo e disse: “Gente, eu estou adorando isso!”
Rogério: São exemplos gratificantes, sem dúvida. Revelam
nossa pobreza cultural. Quem teve sarau? Eu não tive nenhuma experiência desta
nem na graduação, nem na pós-graduação, nem no ensino fundamental e médio. Ou
seja, nós, enquanto sociedade, somos muito pobres de atividades dessa natureza.
Eu sempre acredito que a educação deve oportunizar o máximo de possibilidades
de experiências, porque muitas das vezes, se pegar um caso do esporte, o badminton
não é um esporte tradicional no Brasil mas se desenvolveu um projeto de badminton
numa favela de lá, o cara conheceu o esporte e, com mais de 30 anos, se tornou
campeão brasileiro. Isso mostra que existem possibilidades para tudo e que é
fundamental que nós, que às vezes dominamos algumas áreas do conhecimento,
suficiente para compartilhar, promovemos, facilitemos o acesso a essa
experiência, e o sarau foi um desses tipos. Eu só tive conhecimento do sarau quando
começou o Circuito de Leitura,
que eu também não conhecia. Eu entrei no Circuito de Leitura sem nem ter ideia
do que ia ser. Quando o cara colocou lá – sarau – nem tinha ideia do que estava
acontecendo. A primeira experiência foi ótima, em São Mateus [campus regional
da Universidade], e fiquei encantado com a quantidade de gente que foi e sua
participação efetiva dentro do sarau. Ali, eu conheci o sarau, com mais de 50
anos de idade. Então, isso, do ponto de vista cultural e da própria Universidade,
o movimento de greve deveria se sentir realizado enquanto proponente de
atividades de formação – porque a greve também é um processo de formação – e
ter o sarau como uma atividade de greve, o que deveria ser colocado (e eu me
proponho a isso, pois continuo a ir ao sindicato de vez em quando, mais por
causa do esporte) para a diretoria de esportes, cultura e lazer. O que as
pessoas estão fazendo lá? É importante resgatar para além do forró.
Bartolomeu (??): Eu acho que o pessoal da diretoria do sindicato,
que já vem fazendo greve há muito tempo, ficou muito assustado porque houve uma
adesão muito grande mas de gente também querendo fazer a greve. Antes, o
pessoal estava de greve mas quem fazia o movimento da greve eram 10, 12
pessoas, e nessa greve eu senti que houve a adesão de muita gente nova, muita
gente jovem na UFES, e aí o pessoal da diretoria ficou meio amedrontado:
“sarau? O que esses caras estão tramando com isso? Outras atividades, cinema?”
Fábio: Oportunidade de novas ideias, novos debates,
questionamentos.
Bartolomeu (??): É, eu acho que eles fecham tanto que a greve
fica lá, não pode sair da tenda…
Djair: A greve era não estar trabalhando, apenas isso.
Bartolomeu (??): É, e eu acho que isso,
sim, foi bom, para eles, os que estavam coordenando a greve, porque um sarau e
movimentos assim ganham mais a empatia das outras pessoas que não estão fazendo
greve, que estão no campus, circulando. Eles estão em greve, mas estão fazendo
coisas culturais, estão promovendo atividades na greve, não estão simplesmente
parados. Então, eu acho que o sarau foi bom para a greve e eles não
perceberam isso, pelo contrário, estavam tão de cabeça fechada que acharam que
era uma coisa ruim. A mulher do hospital pode ter pensado: “puxa, eles estão de
greve mas estão fazendo uma atividade bacana!”
Rogério: Ele levantou uma questão que foi muito percebida,
como eu tinha colocado que nunca tinha entrado num movimento: há uma relação de
nichos de poder e isso coloca em risco esse conceito de poder. As pessoas estão
sempre cabreiras se aquilo aí não tem as segundas intenções de apropriar-se do
espaço que teoricamente lhe pertence. Então este pertencimento, no sentido de
ser dono de posse, fica meio que abalado, e eles não conseguiram perceber que o
principal fator era ampliar a participação, empoderar as pessoas, cada um com
as suas virtudes e talentos, mas que no final, no que se esperava daquela
greve, era justamente que, a partir dessa multiplicidade de atores (que nesta
greve foi a mais plural neste sentido) poderia sair um novo olhar, um novo
modelo de movimento sindical dentro da Universidade e, infelizmente ainda, eu
percebo que não há maturidade para isso.
Djair: O Rogério já antecipou minha próxima pergunta. Vocês
tinham conhecimento de sarau, já frequentavam?
Roberta: Eu cheguei a frequentar em Vila Velha, na Academia
de Letras de Vila Velha, por conta do grupo de teatro da Barra [do Jucu] que me
levou à Academia para apresentações de jogral. E, aí como sempre, a partir das
apresentações, eu acompanhava os saraus de lá. O sarau da Academia de Vila
Velha nasceu após o sarau que foi feito na Barra do Jucu, na Casa de Cultura da
Barra do Jucu. Nasceu lá um grupo e, depois, como tinha mais apoio, nem da
Prefeitura, o pessoal da Academia acolheu esse sarau para que não morresse. Eu
frequentei por bastante tempo esses saraus.
Bartolomeu: Eu me recordo de ter ido a poucos, pouquíssimos,
na época da graduação de Jornalismo. Na Comunicação, de vez em quando, eles promoviam algumas coisas
mas pouquíssimas. Foi na greve mesmo que eu passei a estar mais perto…
Fábio: Bom, eu, enquanto formação na área de Biblioteconomia,
tive pouco contato com ações promovidas nesse sentido, mas quando já estava
atuando numa biblioteca escolar, numa escola de ensino médio, enquanto órgão de
cultura dentro do espaço, eu até que promovia alguma coisa com os alunos, em
parceria com a professora de língua portuguesa.
Rogério: E isso era um sarau?
Fábio: Era um sarau, exatamente. Um projeto que culminava com
um sarau literário, sempre ligado à leitura, onde a gente ajudava na
coordenação e os alunos faziam a apresentação. E tive contato com sarau do
nosso amigo aqui, que participava do sarau no Shopping Norte-Sul, e fomos lá
prestigiar. Tinha um lançamento de livro e depois um sarau. Durante o ensino
médio, na escola onde eu estudava, tinha desses eventos - pontuai, não eramtantos, mas sempre havia essa promoção. A gente decorava um texto, ia na frente ler.
Rogério: Eu pesquisei uma definição de sarau e aqui diz que
um sarau “é um evento cultural geralmente realizado em casas particulares onde
as pessoas se põem para se expressar artisticamente; um sarau pode envolver
dança, poesia, leitura de livros, música acústica e também outras formas, como
teatro, pintura, comidas típicas.”
Djair: Ontem eu fui num
sarau no centro da cidade, numa loja chamada Camisaria, onde se vendem
camisetas, canecas, em cima existe um estúdio de tatuagem, e todas as segundas
quartas-feiras do mês tem um sarau de poesia. Lá estava a Mara Coradello
apresentando o novo livro dela, de poesias. E na quinta passada eu fui no Sarau
da Barão, que acontece no meio da rua, em frente a um bar, tinha bastante
gente, declamando, sem microfone, mas todo mundo prestando atenção, não tem
conversa. Tem o bar, que serve um jiló recheado, cerveja, e você fica
declamando… É bem agradável. E na próxima quinta, dia 18, haverá um sarau
extraordinário, dedicado ao Vinícius [de Moraes], porque é seu aniversário, um
rapaz que toca Bossa Nova vai estar lá, se estiverem a fim… Começou assim: eles
fizeram de um caixotinho uma estante com livros para que as pessoas pegassem os
livros e inauguraram com o sarau porque a menina que teve essa ideia expõe na
loja Camisaria, cujo dono é bibliotecário. O pessoal gostou tanto e aí todas as
primeiras quintas é feito o sarau. O caixote-estante continua lá, com livros
e CDs, e tem uma faixa grande anunciando Sarau da Barão…
Rogério: A palavra sarau me lembra sempre…
Djair: Vem de serão de literatura, serões, o que vem depois
do trabalho, porque era sempre à noite…
Em Minas, em Oliveira, quando se vai tomar cerveja na casa de
alguém, ainda se fala: vai ter serão na casa da Rita. Eles ainda usam esse
termo.
Fábio: Vou ter de deixá-los agora, mas rememorando esta
história, como essa parte o cidadão aqui me abandonou para fazer pós-graduação,
então eu estou levando aos trancos e barrancos esta parte, junto com a gestão
da Biblioteca. Estamos mantendo a parte das exposições mas esta parte, de
circuito cultural em parceria com a Edufes, e outras coisas…
Rogério: Fica em aberto para a gente fazer o Circuito de
Leitura porque não é um projeto que eu escrevi. Eu não sou da área de
literatura, eu sinto muita dificuldade em fazer eventos da área. Eu falei para
a equipe da Edufes: “olha, vocês são os livros, se vocês os livros não
promoverem as atividades de livros, vai ser difícil porque eu vivo na praia,
não vivo nesses ambientes. Agora, se for um evento na praia, pode deixar que eu
promovo.” Entendeu? Agora se você disser: “Rogério, estou pensando fazer isso e
isso.” Vamos embora. Fiz um lançamento ontem, paralelo a nós, fizemos a nossa
parte.
Fábio: Estamos sentindo essa falta de parceria, de
comunicação entre nós. Por exemplo: às vezes, tem professores daqui que estão
lançando seu livro lá na Biblioteca Pública Estadual. Tudo bem, mas a gente tem
o espaço para divulgar, pode acontecer coisas fora dos muros da Universidade
mas tem coisas dentro dos muros, para trazer o público. Este mês vai ter uma
apresentação da FAMES, cujo pessoal vai fazer uma apresentação musical aqui na
Biblioteca, no finalzinho da tarde, dia 24. Vou fazer divulgação, procurar
contato com o pessoal da Escola de Música para trazer o público.
Rogério: Este é o desafio. Por exemplo, nós temos
dificuldades quanto a alguns eventos porque eles não têm dado público. Então,
cria uma situação em que a pessoa que a gente convida vem, se prepara e aí não
tem ninguém – é uma vergonha! Por isso é que no último evento nós fechamos com
duas turmas…
Fábio: Será ali no espaço aberto, vai causar impacto – ou
incômodo ou fascínio – mas este é objetivo; durante 45 minutos eles vão fazer a
apresentação. Então, quem estiver aqui, ou será chamado pela música ou será
expulso por ela, mas eles [os músicos] já estão conscientes deste contexto e
vão fazer a apresentação deles. Se tiver 10 pessoas, cem ou se não tiver
ninguém, mas eles vão continuar apresentando, alguém vai passar e olhar, ou
para ou segue seu caminho. Obrigado pela oportunidade.
Djair: O que vocês mais gostam em um sarau? Ler, ouvir, a
poesia autoral, descobrir uma poesia que você não conhecia?
Roberta: Eu gosto de ouvir, nem sempre de participar, mas eu
gosto de ler, e quando algo me toca eu sinto vontade de compartilhar com o
público.
Bartolomeu: Eu gosto de ler, de ouvir, de autoral, gosto de
texto já conhecido, não sei o que eu prefiro, eu gosto muito de ouvir, talvez
até um pouco mais do que ler.
Rogério: Eu gosto de tudo. Quando existe uma pessoa que vive
aquela coisa é gostoso de ouvir. Tipo: a pessoa escreve, gosta de declamar, e
aquele que chega sem papel e faz a apresentação de memória é mais bonito ainda.
Eu fui muito mais tocado nessa área por Patativa do Assaré. Quando eu
trabalhava na editora, eu recebia livros da editora da Universidade do Ceará e
tinha uma série – coleção do Nordeste, e conheci o Patativa do Assaré. Adorei,
aquela forma dele narrar as histórias pelo cordel, e levei para casa e lia para
os meus filhos, pequeninos. Agora, que são adultos, talvez tivesse mais
ressonância. Eles dormiam. O ler é legal.
Roberta: Eu me lembro de numa edição do sarau da greve ter
levado alguns livros – um do Drummond e outro, uma coletânea de autores
capixabas. As pessoas gostaram mais de ler os poemas do Drummond. Eu escolhi o
livro dos autores capixabas porque ele ficou um pouquinho de lado e acabei
lendo alguns poemas.
Rogério: No ouvir, eu gosto mais quando o texto tem uma
narrativa que não exija tantos pensamentos para decodificar o discurso, quando
ele é mais direto, tem um discurso mais objetivo e menos subjetivo, a narrativa
a gente acompanha como se fosse uma história, porque nos pensamentos
subjetivos, subliminares, a gente perde um pouco a concentração, não está
havendo o diálogo. Como dizia Paulo, do que adianta falar em língua se não
edifica a igreja? Ou seja, você fala uma língua que ninguém entende, ninguém
presta atenção.
Djair: O que é mais difícil em um sarau: ir lá na frente,
ouvir aquele poema que já se conhece narrado em outro tom?
Bartolomeu: Ler [na frente do público] é tranquilo. Ouvir,
ler, narrar em outro tom é uma possibilidade boa que a pessoa traz para a
gente. Se a gente lê de um jeito e outra pessoa lê de outro jeito, uma
entonação, uma frase pode mudar… Pôxa, é verdade, tem outro sentido.
Djair: E o que não se gosta em um sarau?
Rogério: Para mim, quando se pega um texto onde ele não tem
uma rima, não sei qual o termo técnico, uma rima que se encaixa, ele tem mais
dificuldade de ser lido e entendido, até mesmo para quem está lendo. Minhas
participações nos saraus foram muito mais de improviso, não foi nada preparado
e, obviamente, as pessoas que vivem isso é muito mais gostoso de ver porque já
vem preparadas, já pesquisou…
Bartolomeu: Acho que o legal do sarau da greve, em especial,
é porque era de muita gente que não vive isso…
Rogério: A espontaneidade.
Bartolomeu: Às vezes, textos truncados, palavras muito
difíceis, a gente perde o interesse, e quando a gente vê um público meio leigo,
com poemas claros, simples, alegre, isso tornou o sarau mais atrativo. Talvez a
dificuldade seria se fosse um poema mais específico, pra galera que já é da
área, etc.
Djair: Porque existe às vezes aqueles poemas arrogantes, da
academia…
Bartolomeu: É, o cara usa termos…
Djair: Quer demostrar que escreve bem e faltam os
sentimentos…
Rogério: Não comunicou, né? Então, talvez, em modelos desses,
isso fica para gente como experiência. Esse tipo de modelo, como foi o da
greve, quem está propondo pode até trazer opções de um texto um pouquinho mais
elaborado, dependendo do tipo de público. Mas no geral algo que seja palatável
para todo mundo fica mais gostoso. Os trabalhos de minha vida sempre foram
pautados pelo improviso, havia um roteiro de informação do cotidiano
tecnico-científico, mas no caso da literatura é um desafio a que me imponho –
minha mulher me sugere memorizar um texto do Patativa do Assaré; se você
memoriza um monte de música, obviamente você vai memorizar um texto desse, você
tem de ter disciplina de ir se preparando e, na apresentação, você se liberta
da preocupação da grafia, da métrica e se prende à interpretação do texto que
está memorizado: você pode olhar para a pessoa, fazer cenas, gestos, joga para
cima o projeto. Para mim, seria muito mais fácil se tivesse o texto na cabeça…
Acho que este tipo de coisa é também um hábito – fazendo, fazendo, vencendo as
barreiras…
Djair: O sarau da greve era uma coisa mais informal. O sarau
em que se tem de ficar de pé, com microfone, no primeiro se tentou assim, mas…
Lembro também de outro, na Fábrica de Ideias, durante uma bienal de livros,
onde não tinha ninguém, até que declamei um poema e a meninada de uma escola
começou… Faltava o primeiro a incentivar.
Rogério: Este tipo de coisa, para a gente que está à frente
do microfone, a gente faz parte do contexto. E quando eu estou fora do
contexto, chego e sento, me ponho como público, realmente é um choque violento
quando a pessoa te puxa… Fica também como proposta atenta: é criar a ambiência
de receber o outro com acolhimento e proteção, porque quem está promovendo já
está numa posição [privilegiada] e quem chega está numa posição desarmada até
um certo limite em relação a você. Então, não existem obstáculos naturais, mas
para quem sentou ali, num ambiente que não conhece ninguém, são pessoas leigas,
que vieram curtir, é muito impactante colocar essa pessoa: “você, faz o favor,
mostra...” Tem de evitar. Mas se fizer, tem de envolver de carinho e de cuidado
para não magoar a pessoa, não constranger. É muito delicado isso. Da mesma
forma que há carência do sarau, eu vejo a carência danada na formação, seja
ela, estudantil, de nós técnicos profissionais, do uso do espaço, de ir para a
frente, pegar o microfone – é desesperador como as pessoas usam mal o
microfone, se coloca muito perto da boca, o som estoura, ou se deixa muito
longe, ninguém ouve nada, ou vira o rosto e deixa o microfone do outro lado.
Djair: Foi diferente, no sarau da greve, fazer fora de uma
sala apertada…
Rogério: O ambiente natural é fundamental e se torna mais
legal – deu para rimar.
Bartolomeu: Estou me lembrando e cobrando. Teve um poema que
ficou bastante conhecido, do Bartolomeu, o poeta, que até hoje acham que meu
nome é Bartolomeu. Foi tudo intenso o que acontecia na greve e aconteceu aquele
lance do reitor que tinha de surgir batata frita no R.U. [Restaurante
Universitário] e todo mundo estranhou – “como, se nunca teve?”, e aí o pessoal
da greve dizia que o reitor estava tentando enfraquecer a greve, fazer os
alunos ficar contra a gente - “poxa, mas se tem até batata frita, estão
reclamando do quê?” E a Anaíse (?), lá da editora, falou comigo, eu fazia de
vez em quando uns poeminhas, de brincadeira, versinhos, e ela disse: “pô, vamos
fazer uns versos sobre as batatas fritas”. Eu disse não, não, mas naquele dia
tinha sarau e, na hora, fluiu tão rápido o poema que eu fiz, meio que na hora
decorei e foi um negócio bem legal. Eu o recitei no sarau, depois em outros
saraus, outros o recitaram. Foi um momento de protesto de usar o sarau também
como uma atividade de greve para mostrar, dar o recado que a gente estava
ligado nas coisas que estavam acontecendo ao nosso redor.
Rogério: Surgiu até uma ideia [agora]: uma oficina de
produção dos textos que tenham pertinência com a questão da greve. A pessoa
pode escrever mas não querer ler, mas ela produz. Outro pode não escrever nada,
mas vai querer escolher para ler. Este também é um caminho legal para os
saraus. Aí eu vejo sentido na palavra que usavam: “sarau selvagem”. Um sarau
que ninguém traz nada e, declamar o quê?, o que se escrever agora! Aí ele se
torna selvagem, agora eu quero ver, agora é a hora, bota pra fora, a pessoa
escolhe.
Djair: No Quinze, um grupo de sarau do Jardim Camburi
[descreve historicamente todo o movimento], o Marconi, etc…
Rogério: Aquele que veio num dos saraus da Biblioteca? Foi
muito bom, naquele dia. Teve também o Santos Neves falando da música, o Marconi
contando a sua história… Muito, muito bom. Não dava vontade de parar. Foi dos
melhores, senão o melhor.