Depoimento Leonardo Picinati
30-08-2018
Como se deu o início do Café com Letras?
Foi em 2012 a 1a. Edição, com nove encontros sendo
lançados, de agosto a novembro. Eu gosto muito de literatura – essa parte de
identificar seu ambiente local, sua moradia, sua cidade, seu bairro, seu
estado, por meio do que é escrito, por pessoas que ali moram - é muito legal.
Eu estava fazendo a FAESA neste período e não tinha essa
parte do regional da cultura por meio de meio de escritores locais. Quanto tive
a ideia para dar visibilidade à quantidade de produção, de gêneros, que existia
neste contexto. Primeiro fui pesquisando sobre escritores locais e depois sobre
gêneros na literatura local. O que mais me surpreendeu, na verdade, foram os temas;
por mais variedade de escritores de quantidade e de gênero; se quisesse estudar
sobre o tema mulher, poderia pegar 6, 20, 30 escritores, e graças a leis de
incentivo muitos exemplares dos livros publicados. Mas ao mesmo tempo eu não
encontrava esses caras e muito menos encontrava esses exemplares. Comecei a
perceber também que as empresas que publicaram esses caras tinham muitos
exemplares guardados, que, claro, iam distribuindo em seus eventos. Pesquisei
também escritores editados em on line. (…interrupção)
Nós tínhamos 116 escritores editados pelas leis, com a
exigência de lançar os seus livros. Como não há espaço para lançar esses
livros, em público em privado, o CL se tornou o maior evento em quantidade, de
duração, era toda 6a. Feira. Hoje nós temos o Barão de Mauá, de 15
em 15 dias, a Causa, uma editora do centro, mas do tamanho do CL… nós
lançávamos 3 artistas simultâneos – o escritor, o artista plástico e o músico.
Desde o primeiro evento já havia essa concepção de 3
artistas simultâneos?
A 1a. Edição teve 9 lançamentos, com 9 escritores
apenas, com um único músico – o Marcos Trancoso. A gente fazia uma combinação
entre o gênero ou o tema e a música. Por exemplo: Tropicália, no momento em que
combinava com a obra dele. Alceu Valença foi um escândalo, foi tão sucesso que
eu consegui trazer membros da Academia de Letras do Espírito Santo, Feminina,
Humberto de Campos e não me lembro de tal repercussão junto à Academia de um
evento que era feito no Shopping. A poesia ecoava pelos corredores de um shopping.
Tudo poderia sair – os três artistas se “vendiam”, não tinham pauta sobre o que
iriam falar, as suas declamações eram fervorosas, os músicos eram autorais e as
pinturas podiam ser de qualquer gênero, de qualquer estilo, de qualquer época,
poderiam ser criadas novas formas, novas fórmulas. Então, ao mesmo que eram 3
artistas simultâneos, eram 3 artes novas sendo criadas e, nota-se, não existiam
músicos autorais dentro de shoppings; existia uma tese que a acústica não era
muito boa, então era só voz e violão. E levamos carranca, levamos flauta,
levamos trompete, levamos violino, separadamente ou juntos. Uma vez haviam 6
trompetes – meu Deus, vai quebrar o teto de vidro! Esses casos, a gente tinha
cuidado, abria portas, etc. E a gente não usava sonorização própria, caixa de
som, mesa de amplificação. Percebi que cada nicho de artista tem um
posicionamento diferente, uma linguagem diferente, e ali nós uníamos 3.
Voltando. Quando pensei em criar o CL foi por várias
necessidades. Não achava exemplares, não conversava com escritores, não
aprendia literatura usando o meu contexto social, não sabia dos monumentos
históricos que o ES tinha, não sabia das manifestações folclóricas e culturais,
não sabia do congo de Barra do Jucu, não sabia do nudismo que muito prevaleceu
por aqui, não sabia dos barcos de Regência, dos quilombolas de lá, não sabia de
diferenças de poesias – históricas, mais da atualidade, não conhecia milhões e
milhões de estruturas que o ES tinha. Eu queria isso – saber das manifestações,
das festas, aqui não há um canal onde a gente encontra um catálogo de todas as
festas, de todos os gêneros, tem de ficar procurando… Não conhecia coisas
básicas do ES e isso retratava o CL – e nele se aguça a vontade de visitar a
Toca da Onça, o farol de Santa Luzia, subir o Penedo, subir o Morro do Moreno,
querer ir nas areias monazíticas de Guarapari, conhecer as praias de Anchieta.
E isso apenas pela literatura, porque estou enfocando apenas os escritores. Mas
pelas leis de incentivo a parte de peças teatrais, aulas de pintura, de teatro,
a parte visual, vídeos, de técnicas posturais, é muita maior.
Eu não via os artistas nos jornais. NO CL a gente conseguiu.
Na última vez, não me recordo bem a média, foram 16 vezes, impresso ou on line,
ou radiofônico ou televisivo, por cada encontro do CL. Então se tinham 3 ou 4
jornais impressos divulgando, 2 emissoras de rádio – a Antena1 e a Jovem Pan,
on line – SOS Vitória, Jornal de Vitória, Meu Bairro, Jornal no Tempo, uma
série de blogs – que se falava da gente. Uma artista do qual se falava 16 vezes
na mídia – essa amplitude que a gente conseguiu…
Na 1a. Edição, você foi atrás dos escritores
ou, como nas últimas, você abria as inscrições e os escritores se inscreviam?
Isso foi uma coisa que me surpreendeu imensamente. Não sou do
âmbito, não frequento os meios, não sou escritor, arranho meus poemas, e tenho
uma veia muito forte de empreendedorismo e sou muito qualificado em marketing,
tanto em experiência quanto de qualificação acadêmica. Eu sabia que ia fazer um
bom trabalho visual e pensei concluir que pela quantidade de escritores e de
artistas que existiam no ES, o mínimo de visibilidade que eles tinham tornaria
uma coisa fácil. Vamos começar um pocket com 9 encontros, dá 3 meses, faço um
lançamento, um encerramento, e esses 11 encontros no total não vai me afetar
muito. Inclusive, pegar nos meses mais movimentados, que envolvem o Natal, eu
ajunto o público; numa sexta-feira eu pegaria o público entrando e saindo, um
happy hour onde as pessoas podiam ouvir música, ter várias artes
simultaneamente e não precisava chegar muito cedo. Porque era um shopping e num
shopping se você deu, você quer alguma coisa em troca – o que não era a
proposta do CL. Mas não era proposta saber o que quanto você trouxe de gente
pro CL. Tudo isso foi pensado.
Havia um patrocínio externo ou tudo era um projeto do
Shopping?
A 1. edição ocorreu na transição de um shopping grande para
um shopping de bairro, com a ideia do dono de abrir vários outros shoppings
maiores. Todo mundo pincela a sua cor, quer deixar a sua marca, então eu quero
deixar a minha. Algumas coisas eu quero fazer. O CL era uma delas. E o shopping
peitou a coisa e alguns projetos eles tiveram de patrocinar. Tive uma
responsabilidade maior por não ter a necessidade do peso do retorno. Retorno
não é cultura, é entretenimento em que você passa por um outro processo que
obriga a pessoa a beber, obriga a consumir, e cultura é o momento de bem-estar
em que você desfruta daquilo. Não tendo então esta pressão, gerou para o
shopping uma outra qualificação porque se via a pessoa circulando, dando um
feedback positivo. Para as partes envolvidas havia uma clareza no objetivo de
divulgação: livre para defender sua tese, para mostrar seu trabalho, para
comercializar mesmo com livraria lá dentro porque você não precisaria pagar
royalties lá dentro; enfim, uma parceria.
Na 1a. Edição eu segui o senso comum. Procurei as
Academias de Letras (a Espirito-Santense e a Feminina) que, na minha
ingenuidade, [acreditava que iam gostar da ideia], mas percebi que não eram
muito familiarizadas com esse contexto de se juntar, de participar de eventos
externos e com tanta visibilidade, não do público mas de estar no hall de um
shopping.
Acharam pouco nobre o espaço?
Não sei bem, mas com o tempo percebi que não havia essa
abertura; 400 [sic] anos de academia e não havia festa, não vi encontros
abertos assim, nunca vi nos jornais essas aproximações. Mas Anaximandro Amorim,
o mais jovem deles, comprou a ideia. Maria Helena Guedes, uma amiga, que
conhecia e pertencia à Academia de Letras Espirito-Santense foi quem me
apresentou o Anaximandro e ele foi o primeiro que aceitou. Ninguém mais
aceitou. Nos anos seguintes, eles foram chegando, meio arredios, etc. Não sei,
como eles não tinham um espaço aberto para esses encontros, os escritores
achavam que eu ia cobrar, não acreditavam que haveria divulgação, que haveria
banner, que ia ter uma ornamentação, que ia ter cachê inclusive, divulgação em
intranets de universidades, de faculdade de letras. Como a gente ligava, a
gente nunca conseguiu fazer um edital, a gente determinou que uma boa
divulgação do artista necessitava de tais e tais etapas, tanto de tempo quanto
de produtos. Então tem a foto, o vídeo deles, com uma série de materiais que
iria complementar o evento em si – a ideia era dar visibilidade, oferecer o
espaço básico, dar o cachê, a ornamentação, os brindes. Posteriormente a gente
conseguiu uma série de patrocínios, uma coisa surreal, investir num espaço
privado e não no seu próprio espaço (academia de letras, biblioteca pública,
escola, e ai vai).
O Anaximandro aceitou, Maria Helena Guedes foi a segunda,
mesmo com medo de ser colocada diante de um público.
Uma coisa é fazer um lançamento, em que comparecem os seus
amigos e os seus pares, outra é estar em um espaço em que ninguém lhe conhece,
em que há gente que lê e não lê…
Exatamente. Pelo nosso cálculo, nessas três horas de uma
sexta-feira, circula uma média de 2.000 pessoas, mesmo que não paradas, elas
estão passando e vendo alguém declamar, pintar, tocar. E desta questão lançamos
o CL com apenas metade dos escritores com um coquetel e a partir daí os
escritores vão ver o que é e fica mais fácil convidá-los. Então não havia uma
playlist completa, não estavam todos os escritores, estavam os músicos, o gênero
musical que iria ser feito e deixou-se uma abertura para que outros se
cadastrassem. Depois disso, nem sei dizer como, foi feito; não fiz edital e
tudo foi chegando, preenchendo, cada edição mostrando seu trabalho, e eu
explicando qual o mecanismo de visibilidade e o processo de formalização dele,
e o resto – se era crônica, se era cordel, se era drama, se era comédia, isso a
gente iria ver depois, não seria um quesito a desclassificar alguém. Na
verdade, nunca se desclassificou alguém, a gente ia empurrando para os outros
anos, para as outras edições. E como não existia nenhuma eliminatória (escolher
que gênero deveria ser, qual o tamanho de pintura, qual música ou qual
instrumento podia ser tocado), mais gente apareceu. De artista plástico,
fizemos várias técnicas – tinta a óleo, colagem, a guache, em tecido, escultura
em argila, entalhe.
No total, quantas edições foram realizadas?
4 anos consecutivos. Na 1a. 9 encontros, na 2a.
32 encontros, na 3a. 30 e, na última, 40. 111 encontros. Em cada
ano, houve também o lançamento (com pintura ao vivo ou com todos os artistas) e
o encerramento (com a exposição dos quadros que foram pintados ao vivo). Então,
foram 111 encontros mais 8 a mais.
Desde a primeira edição, já havia o sarau?
A 1a. Edição aconteceu da seguinte forma: o músico
exclusivo, Marcos Trancoso, trabalhava a parte de repertório musical conforme o
tema do autor. O horário sempre prevaleceu assim: das 19 às 20h30, o escritor
batendo papo livre e o músico fazendo a sua apresentação; não havia pintura ao
vivo. (Quando passou a ter a pintura ao vivo eram os três fazendo
simultaneamente a sua arte: o escritor fazendo sua defesa com o seu público ou
com aqueles adeptos ou sensíveis à cultura escrita, o artista plástico pintando
ao vivo além de expor os quadros conforme o seu desejo (nós disponibilizávamos
até 10 cavaletes) e o músico fazendo a sua interpretação, a sua leitura ou a
sua biografia se autoral.) E de 20h30 até 22hs, acontecia o sarau e sempre foi
assim nos 4 encontros.
E havia a participação do público nessa coisa do sarau?
Eu também me preparei para isso. Pensei: eu também vou
precisar colocar as minhas amostras, para interpretar outros autores, porque eu
sei que não vai dar ninguém, não vai conseguir, quem vai ser o primeiro, etc. E
aí foi o contrário, não tinha microfone, todo mundo queria participar. Na
verdade, nas duas últimas edições, foi onde mais usei a minha oratória,
declamei mais, puxava mais, porque estava tão rebuscado o negócio, tão de
qualidade (houve encontros sobre como falar sobre nudismo, sobre
homossexualidade, sobre racismo), que as pessoas que faziam as suas poesias, as
suas crônicas durante a semana para apresentá-las, ficavam com vergonha,
ficaram com mais fino trato sobre o que deveria ser lido… No início, não; todo
mundo queria declamar, aquela sede, depois de tanto tempo sem ir, sarau era
coisa de burguês ou encontro de amigos quando estava bêbado. Fora isso, não
tinha, era no centro, eram poucos, quase esporádico, e vários artistas
simultaneamente deram muita confiança para as pessoas virem – não vou apenas
para ver um autor que não tenho afinidade, não quero falar sobre isso, mas tem
outro artista interessante.
Vc tem ideia do público que ia lá – o público normal era o
de classe média, do Jardim Camburi, que ia ao shopping. Vinham outras pessoas
exclusivamente para o evento?
Dizem que santo de casa não faz milagre. Posso contar nos
dedos da mão quais os artistas, quais os sensíveis, ou os ouvintes das artes,
do Jardim Camburi que foram. Primeiro: o público-padrão era o que compra à
vista, não o que tinha mais dinheiro, mas o que compra com mais consciência,
sem impulso, não vai a qualquer lugar, tem mais controle sobre o dinheiro. Eu
só podia mensurar com o público que entrava e o conjunto de vendas, tinha muita
loja que vendia no débito e com muita quantidade. O CL tinha um público mais
consciente, mais controlado. Segundo: eu vi muita galera envolvida com academia
de letras ou dá aula (Ifes, UFES, Darwin, Leonardo da Vinci). Tinha muita gente
da área das artes, que frequentava museus, galerias, não era um público
isolado. Chamava a atenção a quantidade de alunos, muitos declamando, muitos
alunos fiéis (isso começou na 3a e 4a. Edições). A gente
convidava os professores, era uma forma de treinar a oratória dos meninos.
E muita coisa de outros autores?
Não, de outros autores era eu [quem lia]. Eu tinha de ler
muita coisa, a não ser em momentos específicos. Sobre a mulher, por exemplo.
Houve declamações diversas, de vários países, de várias línguas. Momentos:
reflexão sobre a escravidão no Brasil, sobre o LGBT com o Fabrício Fernandes,
teve a mulher. Mas muitos iam muito fortemente com seus próprios textos. A
gente pegou 40% de público padrão. E nos lançamentos era impressionante: a
gente recebia gente da Europa, de Recife, do Paraná. Nas 3.a e 4a.
Edições já tinha playlist – a gente
entregava para divulgação a lista completa do ano e daí vinha gente de fora.
Livros sendo dados.
Foi um público, então, que se constituiu ali, para o
próprio evento, e não exatamente o público consumidor e frequentador do próprio
shopping.
Isso foi bem legal. Tudo se acaba porque um dia começou. O
empreendedor tem de ter responsabilidade sobre o meio em que está inserido;
além de fazer bem tem de propagar aquilo; tem de ter este “patriotismo”
interno. E o CL sempre foi pautado sob este prisma. Se você tem uma
responsabilidade, uma estrutura, um tempo ou dinheiro, você tem de
disponibilizar para o seu entorno ser autossustentável, se desenvolver. A ideia
era: não pode ter retorno nenhum, é obrigação do autor trazer público? Não vou
cobrar dele para compartilhar, levar a sério, você não pode exigir que a obra
do artista plástico seja maravilhosa para impressionar o público, você não pode
exigir que o músico faça um repertório de bar – tipo “toca essa agora”. Esta
nunca foi a proposta. [repetem-se as ideias]. Se for o contrário, não é mais
cultura, é entretenimento. Aí se joga peso, passa a cobrar entrada e começa
assim uma outra pegada.
O problema dos editais do governo que exigem do autor,
além da obra, uma contrapartida para a recepção dessa obra
Conclusões: como ser artista criativo, inovador, fazer a
obra, e ainda pensar em marketing, finança? é impossível! Se o governo não tem
estrutura para isso, por que não privatiza? Um artista, Adelton Silva, saiu de
Pinheiros às 5 horas da manhã e vinha para cá de ônibus com 10 quadros para
expor e ia embora no dia seguinte com a mesma dificuldade. Ou seja, o que faz o
cara fazer isso? Só amor não paga boleto. Ou você tem de dar uma ajuda de custo
pro cara, pro translado ($300 reais pra fazer tudo) e só nos resta propiciar um
ambiente agradável, que não seja feio, com divulgação, para que o artista não
fique sozinho, não se sinta desvalorizado. Se existem 116 escritores e não
conseguem dar vazão a isso, a não ser na biblioteca pública onde ninguém vai,
em um horário em que ninguém chega ao local, então vão 3 ou 4 pessoas…
No CL, eu vi depressão, solidão, não ter o que fazer, salvou
a minha vida (quando estou no sarau tudo sai de minha cabeça, eu consigo levar
pra casa uma nova energia). Eu vi gente, alunos de uma escola pública, Renato
Pacheco, que falaram que não sabia que poesia não só falava de amor, mas que
também se podia expressar com raiva, com ódio, dentro de uma poesia. Uma disse:
“nossa, nunca gostei, era sempre obrigatória em alguns contextos escolares,
juntavam-se as classes para, além dos hinos, ter de ouvir poesias; nunca
gostei; mas aqui eu gostei, adorei essa, nunca mais vou parar de vir. Pegou!”.
Algumas letras de música [declamadas como poesia] que conseguem dar um start em
seu cérebro, faz cair na real, como essa menina: “nossa, não sabia que podia
viajar, entender uma poesia tão curta, com uma letra tão interessante, que
[quando cantada] tinha tanta rima que eu não conseguia entender, não entrava no
meu ser e depois disso, eu entendi, adorei!” E ela foi várias vezes depois.
Tinha Léo Ferreira, Michele Brandão, Jô Drummond e várias outras professoras
que diziam: “ah, eu adoro porque eu consigo ver alguma coisa que me limpa os
olhos depois de um dia de trabalho, consigo purificar meu ouvido com boas
palavras”. Eu, pessoalmente, achava que o CL, depois de um dia de trabalho, era
meu momento de relaxamento; ao invés de ver televisão, o sarau alivia, mesmo
com os conflitos. Para mim, o sarau poético era uma televisão, mas uma
televisão que me fazia pensar, me relaxava, absorvia o que as pessoas queriam,
analisava o que eu queria, externava o que eu desejava e eu tinha o mesmo
efeito de uma novela da Globo ou do jornal, mas em contrapartida com muito mais
conteúdo, porque não era uma leitura do que aconteceu, mas uma releitura de
vida das pessoas, de conduta, do momento que aquele escritor passou, do momento
que aquele artista plástico se encontrava e da alegria na voz de um artista
musical. Era a minha troca de momento de burrice que eu tinha com a televisão
com esse momento que não me fazia mal, que me fazia fazer links, pontes com o
que eu tenho à disposição para dar feedbacks àquelas pessoas na minha frente.
Era ótimo! Muita gente vinha de longe e agradecia, querendo o projeto em suas
cidades, mesmo sem ter o âmbito de um shopping, mas com as calçadas das ruas,
das escolas.
No CL, também não havia aquela obrigação de formação do
leitor, de formação do apreciador de arte…
A primeira intenção de nosso projeto era tocar o sensível à
cultura. Porque, se você já tem uma gama nesse quesito, você vai ao museu, às
exposições, procura os canais oficiais da cultura. O CL
estava disponível àqueles sensíveis à cultura e àqueles que
queriam aprofundamento na cultura em que já estavam incluídos, que queriam
conhecer novos autores, novos artistas plásticos, e ouvir boa música.
Mas uma coisa negativa é que havia escritor ou artista que
ia no seu dia e não voltava mais, não prestigiava os outros encontros…
Exato. Dos 111 encontros, eu só faltei em um só. Foi no
lançamento de um livro de um artista da Globo (trabalhava na Grande Família).
Prova de que os escritores só iam nos dias deles é que não deu ninguém. Talvez
porque não fosse do ES… Embora não tenhamos lançados apenas escritores do ES, a
maioria era do ES, ou pelo menos, inserido no ES. Eu não sei dizer o que acho
disso; fiquei muito triste, porque das cadeiras disponíveis, o menor público
[que o CL teve] foi de 30 pessoas e o maior público de 800 pessoas. Engraçado é
que os autores que iam apenas esporadicamente tinham o menor público. É certo
que 2 ou 3 tinham uma gama de seguidores que se empenharam pra trazer gente, se
sentindo “culpados” para trazer gente. Nunca questionei isso, pois pra mim
nunca teve problema porque eu podia declamar mais, mas muita gente reclamou
disso: “poxa, não vem”.
Na última edição, tinha o quesito que pedia para pelo
menos ir em dois encontros, um antes e outro depois do seu, mas isso era apenas
pro forma, nem sempre se cumpria.
Mas isso era apenas sugerido, no final, porque a gente tinha
um certo desconforto interno, que não deixava transparecer para o artista. Se
[o evento] fosse visto mais antropologicamente a gente via pessoas se
debruçando [o evento acontecia no hall do rés do chão com abertura para o andar
superior], parar por dez minutos a corrida do dia a dia, e a gente conseguia
ler nos lábios delas, ver diversas expressões faciais. Aí então pensava: “puxa
que pena, que desrespeito dos artistas [uns para com os outros]”, mas a gente
não podia cobrar isso, mesmo se a pessoa não entende isso, mas não vou virar
pai, não sou educador, não tenho essa pretensão… Mas o que nunca tive com os
artistas foram lamentações. Todos entenderam a proposta. Do autor global, eu
lamentei e ele disse: “olha, estava tudo organizado, as mesas bem-postas, o
cantor e o artista plástico estavam lá, o fotógrafo estava lá (porque eu é que
fotograva sempre, todo mundo tem seu álbum, o mais organizadinho possível), não
sei o que pode ser dito.” O CL teve estes problemas mas muitos escritores se
desculpavam porque tinham aulas e eram professores, coincidindo o horário.
Agora vamos falar de projetos agregados ao CL. Paralelamente
a ele, eu fiz 3 anos de Café Infanto-Juvenil, um projeto bem audacioso porque
não tinha público no tocante à cultura. A gente tinha convidados pedagogos,
professores de escolas, das primeiras letras, do infantil, do primário até o
fundamental 2 no máximo. O objetivo? Era mostrar o escritor capixaba a esses
detentores de conhecimento, compradores, professores, pedagogos, diretores, que
iam indicar o livro se assim fosse conveniente, fazendo o plano diretor de aula
e o apresentando à Secretaria de Educação como parte dos livros a ser adotados
no ano. A cada ano, teve 7 encontros, com parceria da Livraria Logos e nós, do
Shopping, investíamos pagando o cachê do escritor, do contador de histórias
para as crianças que também compunham esse público, iam pra lá, ficavam dentro
de um espaço montado ouvindo as histórias daquele livro específico enquanto o
autor conversava com os professores para mostrar a importância de seu livro,
enquanto os contadores de histórias demonstravam como o professor podia
trabalhar com aquele livro na sala de aula. Fez parte do projeto o livro “O
Gato Verde” que já está 6 anos sendo usado como material didático pelo setor de
educação do estado. Também tinha como convidados professores da rede particular
para pleitear junto à direção de suas escolas.
Outro projeto, que dura até hoje: o Ateliê Norte-Sul. Os
artistas que pintaram nas 4 edições do CL têm uma sala no shopping, gratuita,
onde eles lecionam, vendem, expõem e fazem projetos paralelos no saguão do
shopping, como recentemente 10 alunos fizeram, depois de um ciclo de um ano,
uma vernissage com suas obras. Fazemos 2 exposições por ano. Livres e
gratuitas.
Outro projeto, que durou 2 anos, foi a galeria de Arte,
Galeria Cultural Norte-Sul, que tinha um curador, que trabalhava com 6 artistas
em média. Além da exposição, gratuita, no decorrer da semana, aulas de
técnicas, palestras, diálogos sobre a construção das obras, também gratuitas,
que eram a contrapartida de cada artista. E ficava aberto, como o Ateliê,
durante as 12 horas de funcionamento do shopping.
[Indagado sobre, responde: A Associação do Bairro Jardim
Camburi continua lá. O sarau que havia com o Marconi não está mais lá.]
Hoje, aqui em Vitória, sarau que conheço apenas o do Solar
Monjardim, fixo, de quinze em quinze dias. No último domingo do mês, acontece
um sarau na Academia Humberto de Campos, antiga Academia de Letras de Vila
Velha, na Prainha. E esporadicamente, na Editora Causa, que frequento on line,
faço considerações, escrevo…
Quando vc começou o CL, havia uma manifestação semelhante
em Vitória?
Não. Um ano e meio depois, vi uma manifestação semelhante em
Recife, microfone aberto, sem tema proposto, e sem juntar três gêneros
artísticos simultâneos – coisa que nunca vi em qualquer outro momento. A gente
juntou membros de 30 anos de Academia de Letras, supostamente com uma roupagem
intelectual muito grande, com uma produção de 10, 30 livros, participantes de
simpósios, bienais, com gente jovem, recém-saída da UFES. E nunca vi, neste
contexto, ninguém faltar porque estava junto a outra pessoa; juntamos lésbica
com hétero, negros com brancos, altos com baixos, homem com mulher, gente que
trabalha com aposentado, gente que nem tem faculdade com gente que tem
doutorado, um sanduíche impressionante. E juntando três categorias diferentes
de artistas. Pensei que o maior problema seria com os músicos porque eles se
apresentavam em um shopping, onde sempre são pagos, onde se tem um local de
shows, um palco, para atrair gente. E no CL, não. O público ia lá pra ver o
artista, aplaudir o artista, mesmo que não o conheça. [Repetem-se as ideias.
Fala sobre o músico Léo Nunes] A dificuldade de produzir o evento – juntar
horários, mandar releases, muitos acreditando que era trote quando convidado.
Na 1a. Edição, havia dinheiro do setor de marketing do shopping; na 2a. Edição
patrocínio da Vale, pouquinho; na 3a. Veio o Banestes, financeiramente, porque
já haviam outros parceiros, que davam os impressos, os banners; a Logos
divulgava os livros. Um único artista saiu meia hora mais cedo porque queria
dinheiro, o negócio dele era mercadológico. Na última edição, a gente comprava
algumas obras e algumas delas ficavam em outro projeto, a Geladoteca, uma
geladeira onde os livros ficavam expostos mas que foi sendo jogada de um canto
a outro para ser quebrada, do lado de fora, por um morador de rua.
Uma funcionária do shopping me disse que o dia que ela
mais gostava de ir trabalhar era no dia do sarau, porque ela não tinha dinheiro
para comprar os livros e no sarau ela sempre pega um.
O público interno do shopping era quem mais criticava o
evento porque todo mundo queria melhorá-lo. Falavam: “na semana que vem, tem de
tratar deste tema, tem de tocar esta música, mandavam mensagens dizendo que eu
entendi poesia agora”. E no CL a poesia declamada era cruel. Uma escritora, autora
de um livro de bolso, muito crítica, da umbanda, falava coisas muito pesadas,
como sua poesia “Puta” que ela leu com ênfase, gritando “sou puta mesmo!” Outro
escritor falava das suas orgias incríveis com o seu professor de teatro,
misturando ficção e realidade, enquanto nas paredes eram projetadas cenas dos
livros, imagens em transparência, cenas de sexo explícito em silhueta, preto e
branco, como em cordel. E isso provocava muito comentário, muito feedback;
outros feedbacks eram de artistas que me abraçavam, dizendo ter adorado; uma
autora de Minas me trouxe uma cesta cheia de derivados de leite (adorava os
presentes), dizendo: “nossa, Leonardo, não tem isso nem na Bienal!” Era uma
coisa impressionante!
Fazer o CL foi uma coisa que me deu mais prazer, mas também
me deu mais tristeza, por ter acabado, por ver escritor se aliando para não
comparecer ao evento de um outro, por ver público passando sem apreciar nada
daquilo. Mas mesmo assim vale a pena ter pressionado o público e o privado para
fazer a sua contrapartida social no sentido de cultura, seja ela qual for. O
artista capixaba tem responsabilidade por seu nome, ninguém faltou, nenhum teve
desdém pelo projeto, nenhum foi lá como muambo (?). Fiz alguns inimigos depois,
5 ou 10 por cento, o cara que queria receber pela 1a. Edição porque na 3a.
Edição se recebe. Levei o CL para a FLICA (Feira de Livros Capixaba), com café
gratuito, livros gratuitos, sarau de poesia e teve escritor que quis retirar o
livro da exposição porque não gostava de mim. O CL foi o melhor projeto que já
fiz. Um artista, Caio Cruz, que saiu da UFES, e foi rejeitado pela própria
UFES, expôs aqui e foi o artista com a maior visibilidade que o CL teve, uma
página inteira de jornal, com desenhos em carvão. Ele mostrou imagens fortíssimas,
sem pudor.
Foi muito difícil fazer o CL. Todos os dias, eu pensava no
CL. Toda 2a. Feira eu tinha de escrever, na 3a. Corrigir, na 4a. Fazer todo o
design de impressão, na 5a. Disponibilizar toda a impressão (banners, redes
sociais do shopping, a mala direta, etc.). E tinha eventos paralelos do
shopping, durante o ano pelo menos 65 eventos, campanhas de liquidação, etc.
Não podia viajar pra lugar nenhum, mas no sábado eu tinha um orgasmo por tudo
ter dado certo. E na semana seguinte, começar tudo de novo: a parte social,
reuniões, a imprensa, os artistas, fotografias, pra na 6a. O babado acontecer.
Acabava no Natal, passavam as férias de janeiro, carnaval, e tudo começava de
novo. Na 1a. Edição foram 3 meses, nas outras 9 ou 10 meses por ano. Mas o prazer
era renovador – com 3 categorias diferentes!!
Outra coisa fundamental era o contato anterior, o diálogo, a
solicitação para que viesse em um outro encontro, conversar, abraçar,
recepcionar, abrir o projeto, combinar. Alguns escritores acreditavam que o evento
era dele, mas não era. Eu era muito moço, lidar com as academias de letras,
professores da UFES, falar com conselheiros, doutores, phds – como falar com um
cara desse? O prazer foi que todos me respeitaram… apesar dos egos. Todo mundo
aproveitando, o público é que interessa porque se o público valoriza aquilo vc
é mais conhecido, mais valorizado e ai vc não para. Incentivar o artista, ter
um som bom, uma estrutura. Valeu o trabalho, mas levar o CL para a FLICA foi
mais trabalhoso. Não era o meu âmbito, não era o meu campo, não tinha o
controle daquilo. As pessoas estavam mais interessadas em horas-aula, horas
extras, matar o trabalho ou divulgar o seu livro, mas dentro de um contexto
diferente. Quando vc vai em uma feira vc paga pra entrar, paga para alugar um
espaço, cada um por si, ao final fica bonito mas vc lança um livro ali com
outra criação do lado ou ou os estandes não param de fazer atividades extras
para chamar a atenção e o seu lançamento fica vazio… No caso do CL, vc
conseguia ver um artista, aproximar-se dele, ouvir uma música, um respeito
muito mútuo.
Djair: o que eu lembro, o que mais me marcou dos saraus do
shopping era quando eles aconteciam no hall do térreo e as pessoas, que estavam
nas compras ou passeavam ou tinham saído do cinema, paravam e se debruçavam no
parapeito do 1o. Andar e ficavam ouvindo…
Era lindo! Quantas vezes eu vi caras bombados (no
estereótipo, caras que trabalhavam o corpo e não o cérebro, não é uma crítica
não) que paravam e ouviam ou iam cantar e às vezes dialogavam, faziam um
combinado de canto e declamação. Ou seja, existe muita gente sensível à cultura
que está doido querendo mas não consegue ter cultura em seu próprio quarto. Um
sujeito com uma galera bagunceira conseguiu convencer a turma a ficar e conversou
com o Marcos Trancoso, cantou, depois fez uma poesia falada. Vc desperta a
sensibilidade que só não se desenvolve mais porque não tem espaço propício para
isso.
Qual a impressão mais forte que um sarau deixa em você?
São duas impressões. Primeiro, o que o CL deixou em mim, o
que mais me fortaleceu foi perceber que por mais que sejam mercadológicas [as
pretensões], tudo pode ampliar os nossos valores que vêm da família, da escola,
das etapas que a gente passa pela vida e tudo isso eu consegui somar com o CL.
Eu descobri que podia me comunicar, aprendi como não ser negativo, como tratar
bem uma pessoa e fazê-la interessar-se por vc sem que vc pareça frouxo ou tolo,
o bobo da corte, como falar duro mas depois fazer uma piada e a pessoa sorri. Aprendi
como uma pessoa pode vir até vc e isso tudo foi fruto do CL. Aprendi que todo
mundo tem o direito de fazer o que bem quer da vida, não existe o certo e o
errado. Tudo tem um lado mais verde e consegui ver isso na prática. Com o CL
aprendi como posso fazer minha oratória para que aquilo fique coerente, como
posso não ter parâmetros e ter sucesso, fazer tudo, criar novos paradigmas, dar
um clique em outra pessoa. Acho que milhares de pessoas usaram o CL para se
salvar de alguma coisa – e eu fui uma delas. Salvar de meus medos, de meus
sonhos brancos e negros, das minhas vontades, das minhas frustrações. Vim do
interior e tinha a obrigação de estudar, vencer na vida, ajuntar dinheiro para
voltar para lá. A minha pretensão inicial era fazer um site em que todas as
pessoas e as instituições voltadas para a cultura divulgassem seus trabalhos
ali. Jamais pude imaginar que eu seria um protagonista da cultura. Hoje estou
sendo entrevistado. Consegui educar, letrar, sensibilizar mais gente com menor
custo possível. E isso não é o futuro hoje? 3.000 pessoas passando pelo horário
do CL, multiplicado por 110 encontros, veja a quantidade de gente que consegui
impactar. Quando saí do interior, ainda carregando a carga de ser gay, só tinha
a opção de ou se prostituir ou ser político ou roubar. Consegui comprar uma
casa, um carro, sou casado, tenho trabalho, faço mestrado, preparo meu
doutorado, mas rico do que isso, e sem roubar, olha o quanto o CL conseguiu me
propiciar. [Veio de São Gabriel da Palha, norte do ES, terra do café canelon].
É claro que hoje tenho outros objetivos mas o CL conseguiu me fazer conhecido e
hoje estou aqui com você. CL me deu uma nova lupa pra mostrar que cada um
precisa fazer alguma coisa para a sua rua, o seu bairro, o seu estado, o seu município;
cada um tendo suas ideias e sua força. Bem diferente de ser nomeado
politicamente, fui um empreendedor por necessidade – sou gerente de marketing,
preciso fazer o shopping bombar (promovi liquidações, feira de casamento,
apresentação de corais de escola, ornamentação de natal), mas fazer o CL foi o
melhor projeto que eu fiz, mesmo tendo trabalhado com um projeto que estudava a
acessibilidade para os cegos em espaços públicos. No shopping, consegui
encaixar tudo.
Qual o maior obstáculo?
A maior dificuldade foi lidar com três modalidades ao mesmo
tempo, tentar fazer o som ser bom dentro de um shopping, não classificar, lidar
com gente passando e eu sem mesas e cadeiras (só depois é que foram compradas),
não tinha equipe a não ser eu porque todo o resto era terceirizado (assessor de
imprensa, agência de publicidade). Como eu era o mentor, o organizador, tudo o
que saísse de errado era culpa minha. Primeira dificuldade, a interna: os
artistas, porque tinha de trabalhar com o ego deles, tentando mostrar a eles
que aquilo não era comercial, me pediam coisas loucas, a mais (como vender os
livros lá, quando existia a editora Logos lá), às vezes tinha de jogar pesado
porque eu também queria ser entrevistado, ter meu nome no jornal, ter menos
trabalho (eu também tinha meu ego) e o cara queria lançamento de pompa… Já
falei de quem queria receber cachê porque, na edição em que trabalhou, não teve
cachê, esquecendo que tudo é processo, antes não teve patrocínio, nessa outra
edição tem, etc. A segunda dificuldade, a externa, que me fez chorar várias
vezes foi que sempre pleitei incentivo pelas leis de incentivo e não tive
resposta. A SECULT, com a secretária Nahas falei pessoalmente, protocolei em
março, da 2a. para a 3a. Edição, um projeto e meses depois recebi um bilhete
dizendo que não podia ser patrocinado, a não ser que aceitasse coisas e não
dinheiro. Como o projeto iria ocorrer na área externa do shopping, eu pedi dois
banheiros químicos, um palco com iluminação e um técnico de som. Ela me
respondeu: “não, não posso fazer esse evento”. Tentei argumentar mas ela disse:
“os meus contratos já estão vencidos, já usei tudo.” Fui lá para quê? Saí
chorando. Ou seja, a minha maior dificuldade foi perceber que nenhuma lei
valoriza de fato o que deve ser valorizado, mesmo com tudo faturado, com nota
fiscal, documentado. Eu achei que nenhum intelectual, que nenhum secretário de
cultura sabe o que é o CL, senão apoiava. Não apresentei mais nada. O único que
aceitou falar comigo foi o Alexandre Lima, secretário estadual de Cultura,
aceitou patrocinar quando ficou conhecendo o projeto mas enfartou dois dias
depois. No início de 2017, o CL supria 30 por cento da demanda de escritores
beneficiados pelas leis de incentivo de Vitória.
Dados da SLL permite concluir que o governo patrocina o
mercado livreiro com a edição e não o cidadão, o leitor, porque os recursos
disponíveis para a promoção da leitura são insignificantes.
E tudo é muito incoerente porque a quantidade de livros não
circula, as empresas patrocinadoras, as bibliotecas públicas, ficam com os
livros estocados. Conheci muitos bons escritores que não têm nenhuma
visibilidade. Tenho hoje um projeto, de qualificação para professores e alunos,
de desenvolvimento de um software para ensinar literatura capixaba dentro das salas
de aula e por meio desse aplicativo podemos fazer videoconferências com os
autores, trabalhando com temas escolhidos com os alunos e depois com os gêneros
(crônica, poesia, cordel) – um soft educacional, interdisciplinar, que
incentive pesquisas, perguntas – essa é a minha ideia de mestrado.
Por que acabou o CL?
Por uma série de fatores. Primeiro, me senti mais forte para
voar, fui fazer MBA e isso me distanciou um pouco. Tentei fazer um livro
maravilhoso com 400 páginas, mesclando da última edição 22 autores com 22
artistas plásticos mais um CD com os músicos, mas infelizmente não consegui um
patrocínio. Veio a decepção, resolvi me qualificar, fui fazer o TCC. Como lidar
com secretários de cultura que nem são da área? Cheguei à conclusão, também,
que nem mesmo os artistas não lutam, estão se acostumando, se tem faz bom
proveito, se não tem deixa tudo como está, e aí julga o governo, a vizinhança…
Eu percebi que não ia ter nenhum investimento por parte do Estado, apesar do
privado estar oferecendo o seu espaço, e também ninguém gritou e, se a gente
não se posicionar, não vai acontecer nunca nada! Deixei de lado porque a
literatura não está inserida na nossa cultura, falta educação. O CL é um
projeto adulto para o qual falta apenas alguém dizer sim, para alguém que quer
fazer alguma coisa na sua rua, no seu bairro. Não somos tão patriotas assim!
Mesmo tendo milhões de coisas que podem ser feitas. Mas se tem a minha culpa
por esmorecer, tem a culpa do governo por não patrocinar, tem a culpa dos
escritores por não participarem dos eventos, a não ser o seu, tem a culpa do
shopping porque agora só se quer público, mas tudo isso precisa ser dialogado.
Infelizmente, acho que nem mesmo o artista acredita na cultura, mas continua
produzindo. Felizmente, o novo sempre vem e vai vir. Quem tiver sensibilidade
para se ater a isso, eu fui um que fiz como gestão. Eu continuo pesando no
shopping como um local de cultura. Mas infelizmente os gestores não estão
antenados com o que se produz e aí se perde essa oportunidade. E por isso se
encerrou o CL. O difícil é que a gente fica com saudade!
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