Depoimento Marconi Fonseca
01-10-2018
Nome do Sarau – O Quinze. A ideia do nome é porque ele
acontecia de 15 em 15 dias. Ele ocorreu com essa periodicidade por uma
quantidade razoável de tempo, provavelmente por 10 anos, migrando sempre de
lugar para lugar. Começou ali na Praça dos Namorados onde havia um local
chamado Gaiola das Flores; era uma floricultura e os donos amavam a literatura
e, além de ter flores, eles serviam vinho, café e emprestavam livros, bastava
fazer uma fichinha, e ali eu encontrava sempre com o Guilherme (?), tomava um
vinho, conversávamos e, percebendo que eles gostavam muito, pensamos: epa,
vamos fazer um sarau aqui. Gostaram da ideia e começamos, salvo engano, agosto
de 2002. Foi muito bom. A gente fazia parte de um movimento, em um primeiro
momento muito interessante, que foi a criação de uma Academia Jovem Espírito-Santense de Letras, da qual fazíamos parte, eu e o Guilherme, e outros
colegas. Como é que surgiu a ideia de conversar ali com o dono da Galeria das
Flores para fazer o sarau? É porque um dos projetos da própria academia era
fazer um sarau. Tinha muitos colegas que compunham o quadro e que queriam
colocar algumas regras que nós achávamos que não faziam muito sentido, como por
exemplo, a academia escolhia alguns poetas em um mês e durante aquele mês só
aqueles poetas podiam fazer suas leituras – uma coisa muito restrita, muito sem
sentido, pelo menos na minha visão em relação ao que poderia propiciar um
sarau. Aí então nós fomos subvertores (sic), a gente discordou, saímos da
Academia, fomos procurar um local para fazer o sarau e achamos oportuno,
interessante, propor o sarau para os donos da Galeria das Flores por não
concordar com essas coisas da regra etc e tal.
E era aberto a todo mundo?
Era aberto a todo mundo, mas na época todo mundo se
constituía por duas ou três pessoas. O primeiro sarau, se não me engana a
memória, tinha eu, o Guilherme e o Evandro Albano. Não sei se a gente divulgou
na época mas teve mais um, o prof. Ítalo Campo, da área de psicanálise, que
hoje faz parte da Academia do Espírito Santo. Não sei se ele foi a convite do
Evandro, mas ele começou a fazer uma propaganda positiva e as pessoas começaram
a aparecer e teve um dos encontros que contou com cerca de 50 pessoas. Figuras
importantes da cultura capixaba foram frequentadores assíduos desse sarau –
Milton Sevics (??), por exemplo, um cara do teatro, multimídia, que frequentava
direto e, quando aconteciam alguns eventos fora, como em Domingos Martins, ele
ia com a gente. O Alvarenga Mendes (??), professores da UFES, até o Mis Ostakis
(??), ele participou de um dos saraus. Pessoas de todas as idades, gente de pé,
gente sentada, e a dinâmica era uma coisa
bastante aberta; todas as pessoas que ali estivessem e quisessem
declamar seus textos a palavra estava aberta e é lógico, também, em uma das
coisas que a gente definiu para o sarau, para fomentar a produção, não é que se
era obrigado a ler um poema seu, podia-se ler poemas de outros, mas se devia
priorizar uma criação própria, até como uma espécie de desafio – trazer um
poema seu, cometendo um poema novo.
E porque saiu desse lugar?
Foi uma história meio triste até. Os donos, Eduardo eu acho,
tinham um filho jovem na época, 17 anos, que trabalhava com eles, e teve um
acidente muito grave na Curva do Saldanha, aqui em Vitória, e ele estava dentro
do carro. O motorista morreu e o Eduardo Junior ficou muito ferido, meses em
coma. Foi um baque muito grande para os pais e eles tiveram de gastar muito
para a recuperação da saúde do filho. Então, não tiveram condições de manter o
local. Pensamos em cotizar para ajudar, mas não teve jeito, e a Gaiola das
Flores fechou. Para a gente que frequentava muito lá, foi uma coisa muito
triste. A gente andava por lá, via a Gaiola fechada, até que virou um canteiro
pela prefeitura.
Para não parar o sarau, a gente tratou logo de buscar outro
local. Aí tinha ali próximo um local que nada tinha a ver com o sarau. Era uma
lanchonete, a Dione Cão, eu acho, o Evandro Albano conhecia a dona, fomos
conversar com ela, e menos de um mês depois, a gente voltou com o sarau.
Ficamos uns 2 meses e meio, o local não era muito propício, muito barulho. Até
que conseguimos um contato com a Livro Lux, uma livraria que tinha no Shopping
Vitória, e ali ficamos um ano e pouco. Parou porque a livraria fechou. Nossa,
parecia que para onde a gente ia o lugar fechava. Como o dono da Livro Lux
também era dono da Logos, só que a Logos não tinha espaço para fazer o sarau.
Eu conhecia uma menina que trabalhava na livraria Leitura, que depois fechou
também, não sei se por causa do sarau. Mas, enfim, a Juliana tinha umas ideias
muito legais de utilizar a livraria como espaço para ocorrer eventos de
cultura, não só de poesia, mas de música, de teatro. Na época, solteiro, eu
frequentava tudo o que tinha a ver com cultura. Tinha uma leitura dramática de
Machado de Assis, na Fapi, domingo, às 19 horas, eu estava lá. Eu conheci muita
gente do meio, inclusive a Juliana, que estava com um projeto muito
interessante que até banda ela levou para tocar dentro da livraria. Ela
afastava as baias e a banda fazia um show completo, ali dentro da livraria, no
2o. Andar. Neste espaço é que a gente fazia o sarau. Ficamos quase
dois anos ou mais. E depois fomos para outros lugares também.
Quando eu conheci já era no bar, a Casa da Mãe Joana…
Nossa, ali já foi o final dos finais. 2014, já tinha 12 anos,
a gente conseguiu ficar direto, pulando de lugar em lugar, durante 10 anos, e
nos últimos 2 a coisa começou a degringolar – fomos no bar Laranja Mecânica,
Jardim Camburi, até que quando chegamos na Mãe Joana, estávamos tentando
resgatar o sarau, depois de uns 3 meses sem sarau, dizendo: não vamos parar,
não vamos perder, e aí o Andrei conseguiu o contato ali.
Depois foi para a Associação dos Moradores…
Mas ali só teve uma ou duas vezes, se não me engano. Ali foi
o final, depois não teve mais. A gente sempre tinha a ideia de retomar.
Conversamos com o Davi, do SESC Glória, mas eu e o Andrei, sozinhos, o Andrei
ficou de montar o projeto, mandou mas não conseguiu ir adiante e, enfim, o
Quinze acabou. Se retomado hoje, não sei se teria a mesma força, a história, o
tempo que houve, as pessoas que o frequentaram, as coisas produzidas, as
colocações – uma coisa que eu achei muito interessante, uma especificamente: um
colega, Aldo, um senhor que frequentava o sarau quietinho, na dele, sempre
ouvindo, até que daí a pouco começou a declamar uns textos, depois ele disse
que tinha muitos poemas, que escrevia desde criança, seu sonho era publicar um
livro, e agora que encontrei vocês está me acendendo uma chama, estou me
sentindo mais à vontade, enfim, começou a declamar seus próprios textos. Mas
adiante, no próprio sarau, ele lançou um livro pela Lei Rubem Braga, de poemas,
levou a esposa que começou a declamar também e depois também lançou um livro
pela Rubem Braga. Tiveram um filho e ele deu ao filho o apelido de Quinzinho…
Ou seja, se ele não tivesse participado, talvez nem tivesse lançado um livro.
Acho que lançou depois mais livros, uns 3 ou 4. Acho fantástico imaginar o
papel de um sarau. Uma das histórias bonitas que aconteceu por ali.
Você tem ideia de quantos foram realizados?
10 anos, 4 por mês, apenas com o recesso de Natal…
E a partir do Quinze houve desmembramentos da turma?
Não, pelo que eu saiba não. A gente tinha as pessoas, amigos,
conhecidos… Nós nascemos de uma ruptura mas até onde eu sei, não houve
desmembramento. O sarau de onde saímos continuou, eu até cheguei a participar
de um, mas não durou muito, depois mudaram a visão, colocavam os poetas
declamando mas era aberto para quem quisesse declamar alguma coisa.
Hoje você frequenta algum sarau?
Existe um sarau interessante acontecendo no centro da cidade.
Eu participei de uns 3 ou 4 eventos, onde fiz uma pequena campanha boca a boca
sobre o meu livro – Os Ratos Retumbantes. É o sarau da Barão – acho que é a
Rute quem organiza, uma pessoa envolvida não apenas com sarau, mas com cultura
em geral. Lá ocorre na 1a. Quinta do mês, acho que há 3 anos.
Outros, com essa ideia, não conheço em Vitória. Fiquei desligado, casei, tive
filhos e fiquei um pouco alheio a estas coisas, música, teatro, etc. Tenho 31
anos de banco [seu local de trabalho], me sinto um estranho no ninho, mas como
tenho muito tempo de trabalho, tenho família, tenho de aguentar até lá.
Na época do Quinze existiam outras manifestações...
concorrentes?
Não me recordo, não sei se em 2002, mas havia uma
manifestação em Vila Velha, em um bar onde um cara fazia toda semana, mas não
lembro o nome do evento. E salvo engano também havia um em Barra do Jucu,
também em Vila Velha, alguma coisa lá no centro cultural, mas não participei de
nenhum evento. Uma vez até que combinei ir até lá, declamar uns versos, mas não
fui. Por essa época, uma revista, não sei se chamava Metáfora ou Entrelinhas,
era de literatura, eu li que estava havendo um boom de saraus pelo país,
fizeram uma reportagem. De repente, jogando no Google… Tinha até um mapinha
indicando os saraus, ali no Rio de Janeiro, na periferia de São Paulo, uma
situação que a gente, sem perceber, estava inserido num movimento maior que
acontecia de maneira espontânea por todo o país.
E acabou exatamente por quê? Não foi a questão do espaço,
número de participantes…
Número de participantes, pessoas envolvidas, às vezes a gente
marcava os saraus no horário x, data x, sei que as pessoas têm as suas
atividades, mas faltava um esforçozinho para participar e a gente percebeu que
esfriou um pouco e as outras pessoas, os próprios poetas não participavam
muito. Acho que foi mesmo um esfriamento que teve, de público mesmo, parece que
houve um auge e depois a coisa gradualmente foi se perdendo na vida das
pessoas. Foi questão de público e de local,
também. Na época da Gaiola das Flores, cravado na Praça dos Namorados,
lugar bonitinho, tudo propício, as flores, o vinho, a própria iluminação, as
mesinhas arrumadas, a lâmpada – era poesia pura, o próprio espaço convertia-se
em uma poesia. Mas depois que saímos dali ainda tivemos bons momentos, as
livrarias ficava cheio – inclusive na livraria Nobel do Gustavo, que hoje é
diretor executivo da construtora Grand, em frente da praia de Camburi.
Inclusive fizemos uma parceria ótima; embaixo era a livraria e em cima tinha um
espaço que ele quis levar coisas de cultura, foi onde conheci a Juliana que
começou a programar inclusive o sarau O Quinze, com um palcozinho, microfone,
cadeiras onde as pessoas sentavam, a gente falava no microfone a poesia. Foi
muito legal, ficamos mais de um ano. Acabou porque o Gustavo tinha duas
livrarias, ele fechou esta e ficou só com a de Guarapari. O movimento era muito
ruim, tinha um café, eu ficava conversando, mas ao final esfriou a relação
entre o público e os próprios poetas, não deu para seguir mais.
Qual a impressão mais forte que um sarau deixa em você?
Olha, na época da livraria Nobel eu fazia uns poemas mais
longos e a impressão mais forte que me passava era quando eu percebia que
alguém estava sendo afetado. Houve momentos de textos que escrevi, que eu li,
que as pessoas ficavam… uma vez, uma senhora caiu aos prantos. Um caso absurdo,
que aconteceu no Rio, sobre um menino que, sequestrado, foi arrastado pelas
ruas com o carro, e eu escrevi um poema sobre essa ocorrência, um texto muito
forte. A impressão mais forte, então, é perceber o poder que a poesia tem de
afetar, emocionar, as pessoas, porque esse é o papel principal das artes em
geral – afetar o indivíduo nem que seja de uma forma a lhe causar uma certa ira
– pô, esse cara escreve isto, não pode; acho que é perceber que aquilo que está
sendo produzido está afetando, está inspirando, e aí retomo o caso do Aldo em
que o sarau o fizesse recuperar a sua vocação de poeta. Perceber as mudanças
que um sarau pode fazer na vida de alguém porque eu acho que já é uma mudança
muito grande o cara, que tem uns poeminhas dentro de uma gaveta, decide de
repente ler os seus poemas, lança livros, isso é uma mudança absurdamente bela
na vida.
Como você começou a participar do sarau? O primeiro…
Eu nunca tinha participado de um sarau
na minha vida. Depois, com o Quinze, eu participava, a não ser na própria
Academia – mas não sei se ali havia mesmo um sarau. Depois da “posse” dos
membros, cada um leu um texto. Podia ser um sarau, 20 e tantas pessoas, cada um
lendo um texto, deve ser um sarau. Foi a primeira vez que li em público,
inclusive foi quando eu me descobri como poeta – não, não, é que quando eu
entrei na Faculdade é que comecei a escrever direto, com 24 ou 25 anos de
idade, mas eu já escrevia desde muito jovem, me emocionava muito. Tem um caso
marcante para mim. Eu leio muitas biografias de poetas, escritores, e na
maioria dos casos, eles tinham uma biblioteca em casa, os pais, os avós liam
muito. Lá em casa, cara, não tinha livro; lá em casa não tinha toca disco,
ouvia música no rádio, e eu não sei como virei isto. Eu só sei o seguinte:
quando meu pai faleceu, eu tive um trauma, tinha dificuldade para dormir,
deixava a televisão ligada, ou tinha de ouvir rádio, para dormir e o que eu
ouvia era música sertaneja, sertaneja de raiz, na Rádio América, até meia-noite
quando entrava um locutor, o Cardeal, com uma voz assustadora. Mas até aí eu
nunca tinha escrito nada, tinha 14 anos. Quando entrei no banco, com 15 anos,
como auxiliar, começou uma coisa, tive acesso a um outro círculo de amizade e
os caras gostavam de rock nacional – Legião Urbana, de quem eu nunca tive
ouvido falar. Achei muito legal, comecei a ficar inspirado e resolvi escrever
umas poesias e, com um amigo que tocava violão, decidimos montar uma banda de
rock, então em voga e na minha cidade tinha umas 4 ou 5 bandas de rock. Mas eu
falei o seguinte: vamos fazer músicas próprias! Aí me veio essa ideia; comecei
a escrever letras de músicas, inspirado em Cazuza, Renato Russo, Beto Guedes, e
comecei a me descobrir escrevendo alguma coisa, neste período e desta forma.
Quando vim de Bom Jesus da Itabapoana, estado do Rio de Janeiro, “o rio das
águas adormecidas” é o rio Itabapoana, em 1996, para estudar Direito em
Vitória, comecei a frequentar a biblioteca da UVV – Universidade de Vila Velha,
e ficava lá manuseando alguns livrinhos, lendo revistas de cultura, como a
Bravo, na qual eu lia sobre uns poetas e começava a procurar [no acervo]. Tinha
um vínculo muito grande com a poesia romântica, era apaixonado por Casimiro de
Abreu, Castro Alves (de quem até hoje gosto) e aí comecei a copiar. Usava as
palavras que o Casimiro usava, não tinha nada a ver, e eu achava que a poesia
boa era a poesia rebuscada…
Um romântico
parnasiano…
É! Na UVV, o primeiro
ano era todo mundo junto – economia, direito, administração, com as matérias de
introdução, uma das quais era de filosofia e tinha um professor de quem gostava
muito das aulas. Aí eu me atrevi a dizer que eu escrevia uns textos, era um
cara aberto, disse que gostava de poesia, podia trazer para ele ler. Pedi a um
colega para digitar as minhas poesias, encadernei uns 30 poemas, levei para
ele, e ele teve o cuidado de anotar com post it o que gostou, o que não
gostou,
demonstrando que teve
o cuidado de ler e hoje eu sei que o que estava ali não era coisa boa –
literariamente falando. Ele foi bondoso, comentou poema por poema, sou muito
grato por isso e de lá para cá eu escrevo
direto, às vezes passo uma semana, 15 dias, sem escrever nada, tem mês que
escrevo uns 40 ou 50 poemas. Um vale a pena, o resto está escrito. Tenho coisas
encadernadas, tem as coisas que não encadernei, tem muita poesia. Posso dizer,
com certeza, que tenho mais de 1000 poemas guardados – coisa que nunca mais li,
nunca lerei e nunca lançarei, mas está lá, um registro da minha história, as
minhas tentativas, uma forma de apurar, aquela coisa rebuscada…
Eu sempre gostei muito de ler – aquelas revistinhas, Vaga-lume,
fantasiava um pouco, escrevia para a escola. Com uns 8 ou 9 anos, a professora
pediu uma composição e os coleguinhas escreviam sobre suas casas, os carrinhos.
Eu criava minhas historinhas, não era poesia, escrevi uma – O Monstro do
pântano – parte 1, parte 2, umas coisas assim, e depois, já na 5a.
Série, fazia adaptações. Eu lembro que fiz uma adaptação de uma historinha que
tinha lido na revista Zé Carioca, um pouco cômica, fiz ao meu modo, a
professora gostou, pediu que eu lesse para a turma. E foi esse o começo: letras
de música, umas redaçõezinhas, mas nunca tinha parado para escrever poesia (que
só comecei a escrevei em 1996, na faculdade, usando a biblioteca, absorvendo
Casimiro, a poesia de Jorge Luiz Borges (os textos em prosa dele eu ainda não
tenho capacidade de digerir, é muita informação) de quem gosto muito.
E a banda de rock, não foi para a frente?
A banda durou um ano. Fazia rock tradicional, os sucessos,
fazíamos nossas próprias músicas com uma banda específica para isso – compomos
umas 40 músicas, por aí. Um dia chegou um menino de 11 anos que tocava
guitarra, teclado, bateria – foi a melhor coisa! Rapaz, o pai dele estava
montando uma banda, tinha equipamento profissional (microfones, câmera de eco),
eu cantava Legião e até parecia que eu tinha uma voz bonita, e aí a banda de
origem se dividiu (o guitarrista veio, o tecladista também foi, menos o
baterista e o baixista). Ficamos então com duas bandas, mas na banda do pai do
menino a gente só tocava rock nacional e só depois conseguimos inserir uma
música nossa no repertório e a musiquinha, uma baladinha, até fez sucesso, o
público queria a letra, etc. Aí ficamos com a banda que tocava os covers
e a nossa ficou parada. Depois juntamos tudo mas aí acabou tudo. Na época,
tinha de ter uma fita demo, gravação em estúdio, tudo era muito caro, mas
conseguimos com o diretor da Rádio Bom Jesus usar a aparelhagem da emissora
para fazer a fita demo mas foi quando eu vim para Vitória. Aí acabou. Mas
continuei ouvindo muita música, em 1998 retomei essa coisa de banda com um
primo, cantava, escrevia as letras, mas na hora de ensaiar só ficava enrolando,
tocando umas músicas de rock’n roll, não ensaiava nada, e aí não deu certo –
ele queria era cantar e tocar. Tenho um plano de retomar. Um dia, comprei um
violão, tocava uns acordezinhos e fiz a base de algumas canções – tudo
experimental. Tocava um dó e escrevia: dó mais um dedo mindinho na terceira
corda da quinta casa – e guardava assim um acorde. Aí, 4 anos atrás, um cara
entrou no banco lendo uma biografia do Lobão e mostrei algumas coisinhas para
ele, começamos a ensaiar, ele gostou e estamos para retomar o projeto agora,
depois de 3 ou 4 anos sem tocar violão. Comprei um violão novo, já fiz duas
aulas, encontrei com ele, e vamos ver se a gente retoma. Um amigo meu me disse:
“Marconi, você é um cara muito excêntrico!” Só eu para botar uns livros de
poesia em cima de minha mesa, no banco.
Você quer falar mais alguma coisa sobre os saraus?
Eu acho o sarau um ambiente muito propício, não exatamente
para troca de ideias, é lógico que o sarau promove o encontro das pessoas que
gostam de poesia, literatura e tem muita pessoa que se descobriu no momento do
sarau: “eu nunca escrevi nada, mas vendo vocês declamarem me instigou a
escrever este texto, que eu vou ler hoje”. Cara, isso é fantástico, fazer uma
pessoa a se descobrir numa situação só possível porque ele foi a um sarau.
Sarau é também muito importante como formação de público com as pessoas que só
vão lá para ouvir.
Eu não falei ainda, mas descobri umas dinâmicas para o
desafio de criar um poema. Começou com a gente dando uma palavra, um tema, mas
aí ficou chato demais, e botamos uma coisa mais instigante. No bar Laranja
Mecânica, a primeira temática foi minha: Laranja Mecânica, que tal escrever
poeticamente sobre a Mecânica da Laranja? Virou um poema meu, que coloquei no
meu primeiro livro.
Em um sarau, conheci muitos amigos, o Andrei, por exemplo, um
grande amigo meu. Isso também é muito importante!
Esta técnica tinha uma pretensão didática, digamos assim,
ou era só uma brincadeira?
Era só um desafio mesmo! Certa vez, você deve ter
participado, a gente deu o nome de Poema Improvável. No sarau, os poetas liam seus
textos, depois o público podia ler o que quisesse e, na terceira rodada,
começava o poema improvável. Eu escrevia duas linhas, e passava para você, que
passava para todo mundo que quisesse participar e, ao final, retornava ao
primeiro, eu, que lia tudo e finalizava com 2 ou 3 linhas. Já era bem no final
dos nossos saraus e deve ter rolado uns 8 ou 10 títulos dessa maneira. Saíram
coisas interessantes, algumas bizarras. Uma vez, no Laranja Mecânica, uns caras
escreveram umas coisas malucas mas houve bons resultados.
Uma coisa que não comentei contigo, e nunca comentei com
ninguém, é que a ideia dentro do próprio Quinze era fazer uma revista.
Conseguimos fazer 2 exemplares e aconteceu uma coisa muito doida: que poema vai
participar? O espaço era muito pequeno, inventamos uma coisa, criou muita
polêmica e tivemos de parar. A ideia era a seguinte: as pessoas liam os seus
poemas e aqueles que estavam ouvindo votavam naqueles que mais os impactavam e
dos mais votados (numa noite, eram lidos mais de 40) se escolhiam uns 10 ou 12
que eram incluídos na revista. Ali mesmo, no sarau, acontecia a votação com os
poetas, quem estava participando. Mas depois ficou complicado porque um cara
lia o poema mas não teve o poema escolhido, outro teve dois poemas escolhidos, e
aí resolvemos mudar a dinâmica para permitir que todos participassem. Mas ficou
tudo muito complicado e a revista durou 2 números – bem simplíssima a revista!
Um sarau é bom pra isso, também. Se você tem um grupo coeso, participando, por
que não a cada ano fazer um lançamento de uma revista com os poemas declamados,
como uma forma de colocar a coisa também impressa, para não ficar só na
declamação.
Uma coisa que o Leonardo, do Café com Letras, tentou fazer
na última edição.
É, legal deixar a coisa impressa. Não sei se você se lembra
de uma coisa que aconteceu com o Patativa do Assaré. Quando ele morreu, eu li
uma reportagem que dizia que, já famoso, ele estava declamando na rádio e um
sujeito decidiu editar um livro, lançar os poemas e pediu para que fossem
mandados os originais. “Mas o que é o original?” - perguntou o poeta. “Não, eu
não tenho nada escrito, está tudo na minha cabeça!” Se morre o homem, lá se vai
a obra toda. Então, a coisa do registro é uma coisa a se pensar, durante um
sarau.
Hoje as pessoas colocam no you tube, mas não gosto de
computador, gosto muito de ler, manusear, rabiscar; prefiro as edições mais
antigas, entre uma de 1950 e outra de 2018, eu quero a de 1950. O tempo hoje é
muito curto, a vida é breve, a arte é longa, e eu ando lendo, vou ao banco e
volto para casa lendo alguma coisa. Me perguntam se não tropeço, bato a cabeça,
já quase aconteceu, mas vou lendo, faço anotações, às vezes eu paro no meio da
esquina e começo a refletir. Fico parado, escrevo uma ideia, um versinho no próprio
livro e depois continuo andando. Uma vez, vendo uma entrevista com o Roberto Bolaño, que morreu jovem, ele
contou que tinha um amigo no México, Mario Santiago, morreu jovem também, que
tinha suas excentricidades. Uma delas é a mesma minha. Naquela cidade
absurdamente caótica, o Santiago andava lendo pelas ruas. Não sei se é verdade,
mas o Bolaño falou também que o Mário Santiago lia enquanto tomava banho – o
chuveiro aqui, o cara ali, e ele tomando banho. Cara, isso eu nunca fiz. Isso é
que não querer perder tempo.
Quanto a saraus, hoje, precisamos marcar para ir no sarau da
Barão, conhecer a Rute, uma pessoa muito envolvida. E tem também o Davi, da
biblioteca do SESC Glória, que tem um evento – a Quarta Poética, na segunda
quarta-feira do mês, numa lojinha que ele tem lá no centro da cidade, na Gama
Rosa, onde participei com os Ratos Retumbantes. Ele tem um espaço lá,
coloca umas almofadas e convida um poeta para falar sobre sua obra, o processo
de criação, e ele declama – é um sarau também. O da Rute completou 3 anos, o do
Quarta Poética não tenho ideia de tempo. Mas são dois movimentos, saraus, do
centro da cidade, em ambientes diferentes. O da Barão é na rua, na calçada de
um botequinho. Coisa de rua, mesmo. O do Davi é no espaço da loja, espaço aconchegante,
coisa tal. Eu acho que o sarau do Davi é um desdobramento do sarau da Rute. É
isso aí!
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